A complexidade e o fim das utopias finalistas

Ao aumento da escala provocado pela virtualização, soma-se a questão da complexidade. Existe um movimento de crise da percepção que é potencializado pela explosão informacional, que resulta na multiplicidade de pontos de vista. A Internet, através da virtualização do espaço social, contribui para a instauração do complexo como novo paradigma. A realidade não é mais redutível e, como demonstram Deleuze e Guattari, as tentativas de explicação da realidade por modelos englobalizadores fracassam [1995].

Os filósofos franceses, propõem a construção de “rizomáticas”, teorias que se libertem da procura do uno, da explicação reducionista que tenta prender todas as manifestações a um único modelo. Eles sugerem que é preciso “... escapar da oposição abstrata entre o múltiplo e o uno, para escapar da dialética, para chegar a pensar o múltiplo em estado puro, para deixar de fazer dele o fragmento numérico de uma Unidade ou Totalidade perdidas ou, ao contrário, o elemento orgânico de uma unidade ou totalidade por vir – e, sobretudo, para distinguir tipos de multiplicidades.” [1995:46] A proposição dos filósofos é bastante desafiadora, já que todo o pensamento ocidental estruturou-se a partir de categorias, unidades, modelos desde os tempos de Platão.

Trilhando outro caminho, o filósofo italiano Gianni Vattimo propõe a transição da “sociedade da cultura” que constrói sua própria objetividade através de um processo de “fabulação do mundo”, para uma “sociedade transparente” que opere a desmistificação da desmistificação. Vattimo postula que debaixo dos mitos existem mitos, ou seja, debaixo de signos, signos. Em prol de uma heterogenia, ele propõe o fim do ideal da auto-consciência.

Diante da cultura digital, as proposições distintas de Deleuze / Guatari e Vattimo permitem defender que o homem deve emancipar-se da prisão finalista da utopia. A simultaneidade e fragmentação do cotidiano, operada na polifonia dos meios de comunicação, afastam o indivíduo da possibilidade do belo utópico. Sustenta-se uma heterotopia do conhecimento, o “...reconhecimento de modelos que fazem mundo e que fazem comunidade apenas no momento em que estes mundos e estas comunidades se dão explicitamente como múltiplos.” [Vattimo, 1992:74]

Neste mesmo sentido, temos a proposição central de Pierre Lévy em Cibercultura: o universal sem totalização: “Quanto mais o ciberespaço se amplia, mais ele se torna universal, e menos o mundo informacional se torna totalizável.” [1999:111] Lévy dedica a segunda parte de seu livro sobre a cultura digital a demonstrar como a tese do universal sem totalização perpassa campos tão diversos quanto a arte, a educação e a democracia. [1999:Segunda Parte]

Sua tese é que o digital produz o “universal por contato”, ou seja, o universal que se faz presente, diretamente, a partir do fenômeno da conectividade generalizada. A comunicação ocorre na presença do contexto em que é produzida, visto que este contexto é também digital. De maneira diversa, as culturas fundadas a partir do texto escrito constroem o contexto por meio de operações de interpretação e tradução. Estas culturas buscam a universalidade através da totalização do sentido. É a significação que produz os entes abstratos que devem alcançar o universal; por conseqüência, estes universais se pretendem totalizantes, visto que almejam abarcar o conjunto das possibilidades de um contexto que não é presente. Na cultura digital, o universal presente impossibilita a totalização. A cultura digital pressupõe a convivência do contraditório e do múltiplo, portanto, os projetos totalizantes não fazem mais sentido. Nas palavras do filósofo:

O universal da cibercultura não possui centro nem diretriz. É vazio, sem conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois se contenta em colocar em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja qual for a carga semântica das entidades relacionadas.” [1999:111]