Algumas implicações sociais da cultura digital

Para que possamos entender a cultura digital como um fenômeno abrangente, também é preciso identificar suas manifestações fora do ambiente do discurso. É preciso perceber suas implicações nas relações sociais que florescem no ciberespaço.

Um primeiro aspecto a evidenciar é a existência de um sistema de normas de conduta. A instância mais aparente destas regras de conduta são a netiquette. Nicholas Negroponte reconhece a existência e a necessidade do sistema de conduta, porém aponta para o fato de que, em função da juventude do meio, estas regras não são ainda nem consolidadas nem conhecidas, muito menos respeitadas. [1996:191-193] Se isto é verdade para a rede tomada em seu todo, deixa de sê-lo quando olhamos para comunidades virtuais estabelecidas na rede. Howard Rheingold relata uma série de eventos que demonstram a formação de comportamentos socialmente válidos, seja pela simples repetição, seja pela coerção a desvios não aceitos por esta conduta [1994].

Outros indícios demonstram que esta cultura envolve um projeto ético próprio. Entre eles está a existência de uma organização como a Eletronic Frontier Foundation (www.eff.com) que se dispõe a defender os valores do ciberespaço. Nesta mesma linha, soma-se a coluna The Netizen, publicada durante certo período na revista Wired, que se ateve à mesma tarefa, embora ainda seja difícil perceber a existência de um conjunto comum e coerente de valores no âmbito da rede, que se estenda além de um pequena elite. John Katz, escrevendo para a mesma Wired, identifica:

I saw the primordial stirrings of a new kind of nation - the Digital Nation - and the formation of a new postpolitical philosophy. This nascent ideology, fuzzy and difficult to define, suggests a blend of some of the best values rescued from the tired old dogmas - the humanism of liberalism, the economic opportunity of conservatism, plus a strong sense of personal responsibility and a passion for freedom.” [1997:49]

Além do projeto ético, a cultura digital também instaura novos formatos de relacionamento social. As comunidades virtuais são a grande novidade. Se uma comunidade é um grupo de pessoas que interage socialmente, comunidades virtuais são grupos que mantém estreitos laços sociais de maneira independente do espaço físico. Suas relações são mediadas através dos mecanismos da CMC. Apertos de mão são substituídos por cumprimentos “eletrônicos” que trafegam na forma de mensagens eletrônicas. O livro de Howard Rheingold The Virtual Community [1994] é um extenso testemunho da existência destas comunidades, a partir da experiência do autor nas origens e desenvolvimento de algumas delas:

Virtual communities are social aggregations that emerge from the Net when enough people carry on those public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal relations in cyberspace.” [1994:5]

O que forma as comunidades é o partilhar de interesses comuns que constrói um repertório coletivo a partir da interação contínua. A experiência virtual não é condicionada de maneira alguma pelo espaço físico. As conexões entre as pessoas é que constituem o espaço virtual. Já em 1968, os diretores da ARPA (Advanced Research Projects Agency), ponderando sobre as comunidades on-line, percebiam que “... there will be communities not of common location but of common interests...” [Licklider, J and Taylor, R apud Rheingold, 1994:24].