A criação de mundos complexos
Os MUD, multi-user dungeons originalmente, ou multi-user domains como são por vezes chamados, também são fruto do efervescente período do final do anos 70, início dos anos 80. O MUD original, o jogo que cunhou o termo, foi desenvolvido na Inglaterra e lançado em 1978. Ele era uma evolução do primeiro jogo de role playing, Adventure, desenvolvido no início dos anos 70. Como outros jogos desenvolvidos na mesma época, o primeiro MUD partia das possibilidades do role playing, inovando ao permitir que múltiplos participantes jogassem um contra o outro, ou formando times, utilizando mecanismos de comunicação internos ao software. [Reid 1994:Background]
O que começou como um jogo com personagens e ambientes saídos dos livros de Tolkien, forma hoje um universo variado. Há MUD para os mais diferentes gostos (ver list.ewtoo.org para uma listagem atualizada e para um histórico bastante completo: www.legendmud.org/raph/gaming/mudtimeline.html). Segundo Reid, os MUD podem ser divididos em três categorias: os MUD de aventura, competições com diferentes objetivos, nos quais existe uma hierarquia formal que discrimina privilégios entre os diferentes jogadores; os MUD sociais, também chamados MUSH ou MUCK, ambientes menos hierárquicos cujo objetivo é estimular a interação social entre os parcipantes, sem importar competição; e os acadêmicos, como MediaMOO criado pela pesquisadora Amy Bruckman no MIT, nos quais utilizam-se as possibilidades interativas do meio, para o compartilhamento de recursos e experiências e para a produção conjunta de pesquisas. [ibidem]
Os softwares que dão suporte aos MUD oferecem grande diversidade de formatos de interatividade, ainda maior que os apresentados pelos diferentes sistemas de conferência eletrônica. Embora a maior parte continue a ser constituída, unicamente, por texto, alguns são representados graficamente (ver www.achaea.com ou zone.msn.com/asheronscall/start.asp). Todas as tecnologias possibilitam diálogo um-um e muitos-muitos no próprio ambiente do MUD. A maior parte da interação é síncrona, mas é possível deixar mensagens para participantes que não estão online. Os registros da interações são mantidos para permitir a continuidade do jogo, mas não há regra em relação à permanência da interatividade. Na maior parte das vezes é possível manter arquivos, logs, contendo as seqüências de texto que compuseram os diálogos e as ações em um determinado ambiente.
O aspecto mais importante da interação no ambiente dos MUD é a possibilidade de realizar ações e não só enviar mensagens. Esta ações são determinadas por comandos que permitem por em relação jogadores ou jogadores e objetos. Posso beijar uma pessoa ou pegar um espada. Estas ações são realizadas em relação às personagens com as quais atuamos dentro destes ambientes. Como diz Turkle “all interactions are take place ‘in character’” [1994], o que transforma os MUD no principal domínio das transformações da identidade estudadas pela autora.
Os MUD abrigam construções especiais complexas. Constituem verdadeiros mundos virtuais com salas, castelos, tuneis, campos etc. No caso mais interessante dos MUD representados unicamente por texto, estes ambientes são descritos a partir das funcionalidades originais do software de suporte. O operador do jogo, habitualmente chamado “deus”, inicia a descrição dos primeiros espaços e à medida que novos habitantes começam a povoá-los, os poderes de construção de novos compartimentos são distribuídos. Em alguns casos, a capacidade de constituir ambientes é restrita aos “magos”, que são participantes que recebem poderes especiais dos “deuses”. Em outros, todos os participantes podem criar suas salas. Também é possível criar objetos cuja “existência” é evidenciada pela descrição dos espaços e dos personagens. Na maior parte dos MUD, em especial nos socias e acadêmicos, a habilidade de engendrar novos objetos é amplamente distribuída. As funções destes artefatos também podem variar muito. Alguns são portadores de mensagens, outros de ações transformadoras do ambiente: um interruptor pode apagar a luz de uma sala, desabilitando o comando “ver”.
A metáfora espacial complexa e as amplas possibilidades interativas dos MUD, implicam em construções sociais elaboradas. Nos jogos de aventura, as regras são, normalmente, claras e rígidas. Porém, “deuses” e “magos” podem abusar de suas prerrogativas, o que costuma criar conflitos. [Reid 1994] Nos MUD sociais, as normas e convenções são mais fluídas e os poderes descricionários menos determinantes. [ibidem] Em função das possibilidades interativas e dos objetivos para os quais cada um destes mundos são constituídos, as mais variadas situações da vida social têm lugar: brigas, amores, alianças, traições...
Nos MUD, a potencialidade do meio digital em “fazer mundo” [Levy 1999] demonstra-se em sua forma mais completa. A comunicação entre agentes, a partir de novos métodos de interação, permite novas formações culturais. O novo está na possibilidade de criar realidades que permitam ao homem o exercício da experiência social fora dos limites de sua existência física. Ecoando Rheingold, Elizabeth Reid comenta que a realidade virtual é “primarily an imaginative than a sensory experience.” [1994:Introduction] A potencialidade da interatividade na cultura digital tem nos jogos, como os MUD, seu melhor exemplo. Comunicar interativamente é não apenas engendrar o texto da mensagem, mas é, também, criar os mecanismos de interação que permitem aos agentes manipulá-la.
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