As tecnologias de suporte

As conferências eletrônicas constituem os exemplos mais ricos de tecnologia de suporte a comunidades virtuais, mas não são os únicos. Existem comunidades que se constituem a partir de salas de chat, IRC e mailing lists. Por um lado, nem todas as conferências constituem comunidades, por outro, algumas salas de chat abrigam comunidades efetivas. A tecnologia não é determinante. São os laços sociais construídos, a partir da interação constante durante um longo período de tempo que determinam a constituição de uma comunidade.

Quando freqüentadas por uma audiência cativa, que, ao longo do tempo, estabelece convenções sociais próprias, salas de chat na Web ou em IRC permitem a formação de comunidades plenas. Porém, como a tecnologia não oferece suporte para a permanência da interatividade de maneira eficiente, e como as interações ocorrem de maneira síncrona, as comunidades que se desenvolvem nestes espaços são, via de regra, motivadas pela necessidade de socialização em si, e não em função do interesse por um tema específico. O mais comum é a reunião de adolescentes que criam vínculos de amizade ou reforçam relações pré existentes, através da convivência social que, em muito, espelha seus hábitos e interesses no mundo real. Isto não quer dizer que este mecanismo não dê margem a situações problemáticas.

O recente caso de um jovem americano que morre de over dose de drogas pesadas, durante uma sessão de IRC com amigos virtuais, é assustador (ver news.bbc.co.uk/1/hi/technology/2724819.stm). Ripper, ou Brandon Vedas, toma uma série de medicamentos de uso restrito, enquanto interage com os habitués do canal #shroomery, ao mesmo tempo em que transmite imagens de seu quarto, utilizando uma webcam. Lendo o log desta sessão IRC (ver www.killcreek.com/ripperlog.htm), percebe-se que as pessoas presentes se conhecem há algum tempo e compartilham a inclinação ao uso de drogas pesadas. Durante a trágica sessão de IRC, alguns membros comportam-se de maneira adolescente, incentivando Ripper a tomar mais drogas, enquanto, outros que, inicialmente, participam da “brincadeira”, vão ficando cada vez mais preocupados em função da gravidade evidente dos fatos e de sua impotência, pois, apesar de conhecerem Ripper, não têm qualquer referência de sua localização geográfica, o que os impede de tentar salvar o amigo.

As comunidades formadas a partir de mailing lists, também, oferecem desafios de interatividade, em função do vetor da permanência na dimensão do tempo. Algumas listas oferecem a possibilidade de consulta a seus arquivos, porém esta é uma opção pouco funcional, visto que é superposta ao formato original da discussão, que se procede email a email. Por outro lado, por serem assíncronas, as interações nesses ambientes permitem o tratamento de temas mais densos. A comunidade que se desenvolve em função do mailing list Nettime (www.nettime.org) é um exemplo pulsante de discussões do mais elevado padrão intelectual. Bruce Sterling, por exemplo, ex-editor da revista Wired, renomado autor de ficção científica e futurista, que acaba de lançar o bem recebido Tomorrow Now, é um contribuinte freqüente. Esta comunidade se dedica a discutir “networked cultures, politics, and tactics”. Um outro aspecto relevante da construção de comunidades, utilizando este mecanismo, é a simplicidade da metáfora espacial que engendra. As listagens de email não dão margem à constituição de múltiplos espaços, segundo temas e convenções particulares, como fazem as conferências eletrônicas em seus diferentes tópicos de discussão.

Os newsgroups sofrem da mesma limitação em relação à metáfora espacial. Embora as hierarquias da Usenet permitam o estabelecimento de múltiplos grupos, segundo os mais variados assuntos, as comunidades que se formam neste domínio, via de regra, são particulares a um newsgroup específico e, portanto, constituem um espaço unicameral. O maior desafio para a formação de comunidades em newsgroups decorre de seu caráter totalmente público.

A maior parte dos newsgroups não oferece qualquer restrição de acesso, existe a exceção dos newsgroups moderados, nos quais todas as mensagens passam pela aprovação do moderador antes de serem publicadas. O caráter primordialmente público dá margem a maior incidência de comportamentos desviantes das convenções estabelecidas, seja por desrespeito ao tema da discussão, seja por agressividade excessiva, e possibilita o envio de spams, que, no contexto dos newsgroups, equivalem a mensagens comerciais, impessoais, fora do tópico, normalmente geradas por autômatos.

Em relação à permanência, a solução oferecida pelos aplicativos que nos propocionam acesso aos servidores de newsgroups é parcial, não por sua possibilidade técnica, mas em função do volume de mensagens que a armazenagem e exibição de todo o histórico importaria. A maior parte dos servidores apresenta um conjunto parcial das últimas mensagens de cada grupo. [Hine 2000] Como anteriormente comentado, algumas comunidades mais estruturadas realizam, de tempos em tempos, o esforço de resumir suas regras de conduta e as conclusões de discussões empreendidas em FAQ, que são prontamente reenviadas por usuários mais antigos, quando um novo membro o demanda.

As conferências eletrônicas organizam espaços mais complexos ao permitir múltiplas discussões dentro de seu ambiente. Os discursos interativos têm permanência, mas o acesso às conversações mais antigas varia. A forma pela qual os discursos interativos se apresentam é, particularmente, relevante nos ambientes de interação muitos-muitos. Nas conferências eletrônicas, duas correntes dividem opiniões: a primeira opção é pela rolagem das mensagens de acordo com sua seqüência cronológica, formato apelidado de toilet roll; a segunda, chamada thread format, corresponde a apresentração das mensagens em cascata, seguindo sua ordem de resposta, uma mensagem ou é a primeira de uma seqüência ou é colocada abaixo da mensagem a qual responde.

Existem argumentos para ambas as opções. A rolagem contínua dificulta o seguimento dos debates em separado, visto que uma nova mensagem sobre um assunto diverso ao anterior pode interromper a seqüência de uma conversação em andamento. Para lidar com a polifonia que resulta deste método, operam as diversas convenções de referenciamento. Por outro lado, o atrito entre discussões em andamento e novos temas pode ser positivo, pois dá mobilidade ao pensamento coletivo e impede que as conversações se percam num contínuo de mensagens repetivas e cada vez menos relevantes, à medida que se afastam dos comentários que lhes dão origem. O formato thread, contrariamente, têm a capacidade de gerenciar um número maior de debates concomitantes. Porém, induz à fragmentação, para alguns, negativa para a construção do espírito comunitário. Os defensores do formato toilet roll argumentam que, apesar de tornar a leitura mais complexa, este constitui uma metáfora mais próxima da maneira pela qual as interações sociais ocorrem no mundo físico.

O fato de serem operacionalizadas através de softwares específicos, dá margem a diversas configurações em relação a importantes aspectos da interatividade. Algumas comunidades permitem o anonimato, mas a maioria procura manter algum controle sobre a identidade de seus participantes, mesmo que sem impedir sua manipulação. A maior parte delas exige, ao menos, a confirmação de uma forma de contato, por meio de um email válido. Existem conferências públicas e conferências privadas. Algumas permitem a visualização de suas conversações, mas restringem a participação.

Todos os espaços comunitários virtuais oferecem algum nível de controle dos comportamentos, vis a vis as normas sociais estabelecidas. Além dos operadores de sistemas, é comum a figura do moderador. A pessoa investida desta tarefa deve garantir que as normas e condutas sejam respeitadas. Em uma primeira instância de controle, o moderador alia seu status à estratégia de convecimento, utilizando as possibilidades interativas comuns do mecanismo de interatividade em questão como enviar um email para o mailing list ou para o participante específico, publicar uma mensagem na conferência eletrônica que modera ou dialogar na sala de chat. Quando esta estratégia não logra resultados, os moderadores têm a seu alcance algumas possibilidades diferenciadas que caracterizam seu poder. O operador de um canal de IRC pode utilizar o modo de moderação (/mode m), fazendo com que todas as mensagens enviadas ao canal sejam submetidas à sua aprovação para serem publicadas, mesmo expediente utilizado em newsgroups, conforme já comentado. Este recurso, também, é utilizado em mailing lists. Nas salas de chat da Web, embora possível, sua utilização é incomum fora do âmbito dos chats com personalidades convidadas. Moderadores de chat e IRC podem excluir participantes. Nas listas de email e nas conferências, o administrador do sistema pode controlar, discretamente, a inscrição, excluindo membros de comportamento desviante. Os newsgroups não moderados são os mais frágeis em relação ao comportamento disruptivo de um participante.

A função dos moderadores não se restringe ao policiamento das normas de conduta. Na maior parte das vezes, sua missão mais importante é a manutenção da atividade dentro do espaço comunitário. Cabe a ele animar discussões, propor novos temas, conduzir polêmicas construtivas e incentivar a participação de membros menos falantes. Na maior parte das vezes, as ações não implicam qualquer diferenciação das possibilidades interativas entre moderadores e participantes. No entanto, existem algumas possibilidades interessantes. Na comunidade Brainstorms, existe uma newletter interna, publicada em um tópico da conferência de boas vindas, que, semanalmente, realiza um resumo das discussões e mensagens mais interessantes. Este mecanismo funciona como um incentivo à participação.

Em conferências eletrônicas públicas como Slashdot (www.slashdot.com), Kuro5hin (www.kuro5hin.org) ou Plastic (www.plastic.com), a facilidade de acesso e a inexistência de restrição para o envio de mensagens, dá margem à profusão de mensagens sem qualquer valor. Sistemas de classificação das mensagens, por notas, trabalham para dar maior significância aos discursos. Os espaços privilegiados, como as primeiras páginas da comunidade, são estritamente controlados. No Slashdot, aparecer neste local é sinônimo automático de prestigio. Ser “slashdoted”, ou seja, ser comentado na primeira página do site que abriga a comunidade, significa uma garantia de milhões de visitas e milhares de emails. A publicação neste espaço é controlada pelos “editores” do slashdot. Na comunidade Kuro5hin, os artigos que se situam na área nobre da primeira página são fruto de um esforço de edição coletiva.

Clay Shirky, em seu interessante artigo sobre softwares que dão suporte a formações sociais [2003b], comenta as estratégias adotadas pelos organizadores da Slashdots, na construção de sua proposição. Argumenta que é necessário pensar a forma pela qual a experiência do grupo é construída. Segundo o autor, existe uma carência na pesquisa sobre as interfaces de interatividade em grupo, visto que os métodos de pesquisa utilizados sabem investigar as perspectivas de usuários individuais, mas não conseguem extrair uma percepção do grupo. “Social software has progressed far less quickly than single-user software, in part because we have a much better idea of how to improve user experience than group experience, and a much better idea of how to design interface than constitutions.” [ibidem]