Elementos da interface
Nos primórdios da cultura digital, a interface constitui-se, singularmente, de: cursor, um pequeno traço piscando abaixo da altura do texto; linhas de comando indicadas pelo sinal de maior, na parte esquerda da tela; texto; e algumas raras imagens simbólicas constituídas por enormes quadrados. Estes elementos eram visualizados em monitores monocromáticos e nosso único mecanismo de manipulação do computador era o teclado. A evolução que se operou em 20 anos foi assustadora.
Hoje, além dos onipresentes teclados e mouses, podemos manipular e inserir informações em nossos computadores pessoais, através de joysticks, scanners, camêras digitais, teclados musicais... Nossas máquinas comunicam-se conosco, através de interfaces gráficas apresentadas em monitores de excelente definição e milhões de cores, sistemas de sons sofisticados, além de precisas impressoras coloridas. Em suas telas, temos janelas capazes de manter diversas atividades operando simultaneamente. Ícones representam documentos e podem ser manipulados por meio do mouse, por operações tão simples, quanto “clicar e arrastar” um deles para cima de outro.
Embora continue a ser elemento central de nossa experiência, a metáfora do desktop desdobra-se em uma série de novas interfaces particulares. Cada novo aplicativo lançado se apropria dos elementos de interface para produzir seu ambiente particular de interação. Botões conduzem a ações específicas, as janelas são dividas e dispostas de acordo com sua utilidade, ícones indicam estados dos objetos que representam. O popular aplicativo de mensagem instantânea ICQ é um bom exemplo. Suas características florezinhas, ao lado do nome de um usuário, indicam, graças à cor e à iconografia, se a pessoa representada por este símbolo está disponível para conversar, afastada de seu computador ou desconectada. Ao clicar em cima do nome de um usuário, temos a oportunidade de iniciar uma conversa com esta pessoa. Este diálogo se representa por uma janela que reserva espaços diferentes para as mensagens de cada um dos interlocutores. Neste ambiente, temos ícones que nos levam à apresentação do histórico de mensagens trocadas entre as partes, que nos permitem acessar informações sobre a pessoa com quem estamos interagindo, botões que nos permitem alterar cor e tamanho do texto de nossas mensagens...
Apesar da diversidade de possibilidades que a interface comporta, os elementos que entram em combinatória para produzir essas instâncias específicas da interface digital são restritos. Johnson discute alguns dos mais relevantes em Cultura da Interface; são eles as janelas, os links e o texto. [2001] Tomando o cuidado de expandir o termo texto para abranger as produções de linguagem verbal, pictórica e sonora, completo este quadro com três conjuntos: botões e menus; cursores e avatares; ícones:
As janelas operam como o delimitador dos ambientes. Seus contornos e suas divisões distribuem as informações e determinam os campos de interação com suas particulariedades funcionais específicas.
Os botões e menus, assim como as antigas linhas de comando, operam as ações que transformam tanto os conteúdos apresentados através da interface, quanto a natureza desta.
O cursor e os avatares nos representam na interface, eles localizam nossa presença na interface e agem em nosso nome: quando os manipulamos, determinam onde será inserido o texto que digitamos e apontam para os botões cujas ações correspondentes pretendemos disparar.
Os links operam a conexão entre os conteúdos apresentados pela interface. Eles conectam os textos apresentados e nos permitem remeter, automaticamente, através das associações que representam.
Os textos carregam as mensagens, são eles que operam a comunicação. Suas palavras, imagens e sons produzem a significação engendrada pelos agentes e que deve ser absorvida através da manipulação da interface.
Os ícones representam objetos ao ambiente digital como arquivos e pastas em um desktop. Atuando sobre estes ícones realizamos operações que transformam os objetos por ele representados.
Através da combinação destes elementos, as interfaces produzem ambientes imersivos para dentro dos quais nos projetamos por meio do cursor e de avatares. Segundo Janet Murray o ambiente digital é procedimental, participatório, espacial e enciclopédico. A natureza procedimental do meio digital é conseqüência direta do fato de que estamos falando de computadores, máquinas que rodam softwares, que nada mais são que conjuntos de instruções e procedimentos. [Murray 1997:Chapter 3]
Segundo a autora, o caráter participativo do meio decorre do fato de que computadores são, pelo menos em princípio, máquinas inertes cuja atividade depende do estímulo de seus usuários [Murray 1997:Chapter 3]. Neste ponto, a autora deixa de apontar que esta natureza participativa da máquina envolve dois fenômenos: a interatividade homem-máquina e a interatividade homem-homem via máquina. Estes fenômenos não passam desapercebidos, visto que a autora comenta ambos proficuamente em seu livro. Porém, parece-me necessário notar que, do ponto de vista da comunicação, apenas a interação homem – homem constitui uma experiência de significação que demanda a participação direta de, ao menos, um destes atores no ambiente digital.
A
questão da espacialidade requer uma demonstração um pouco mais
complexa. Murray utiliza como exemplo um dos primeiros jogos de
adventure: Zork. Relata a experiência do jogador que, como
personagem, ao entrar em um porão escuro, tem a porta fechada
a suas costas. A percepção da espacialidade difere da sensação do
leitor de um livro, pois entrar no porão é resultado da ação do
jogador e a porta se fecha atrás dele, de seu personagem, que passa
então a ser sujeito dos perigos daquele novo ambiente. [Murray
1997:
Chapter 3]
O caráter enciclopédico dos ambientes digitais deriva de uma operação dupla: o conjunto de computadores conectados, via Internet, constitui o maior sistema de armazenagem de informações jamais criado pelo homem; e o mecanismo de conexão do hipertexto permite a remissão automática a diversos objetos significativos armazenados na rede. Mesmo as memórias digitais que constituem os ambientes digitais específicos, ultrapassam, em muito, a capacidade humana. A possibilidade enciclopédica permite não só um infindável número de justaposições no bojo do discurso, como adiciona a possibilidade de enriquecê-lo através de múltiplas aberturas via conexões tanto internas quanto externas ao ambiente digital que o abriga. [Murray 1997:Chapter 3]
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