Interatividade e produção de sentido
Em primeiro lugar, cabe delimitar que a interatividade, nos termos desta dissertação, deve ser entendida como atividade produtora de sentido, a partir da comunicação direta ou mediada entre dois sujeitos. Está, portanto, excluída a interação de um sujeito com um objeto que não implique significação. No entanto, não se atribui qualquer condição de sucesso à operação significação. A interatividade que buscamos analisar envolve, antes a intenção de um sujeito em comunicar algo, que sua habilidade em fazê-lo. Desta forma, como comenta Roy Ascott “... o significado é criado a partir da interação entre pessoas, ao invés de ser ‘algo’ que é enviado de uma para outra” [apud Matuck 1995:251].
Como pretendo discutir possíveis transformações na interatividade dentro da cultura digital, vou restringir minha análise à interatividade mediada por computadores. Isto não deve indicar que a cultura digital não possa provocar modificações na interatividade da comunicação não mediada, nem exclui a possibilidade de transformações da interatividade no âmbito de outros mecanismos de mediação, como as mídias de massa. A restrição corresponde apenas ao procedimento metodológico de ajuste de foco.
Teremos sempre presente ao menos uma instância de mediação entre os agentes da comunicação. As possibilidades e restrições do meio digital são, portanto, determinantes para a interatividade que pretendo discutir. Os mecanismos que a viabilizam apresentam novos aspectos de eficiência, assim como acrescentam novas camadas de ruído ao processo de comunicação entre os agentes cognoscentes. O objetivo desta dissertação é destacar quais fatores condicionam a interatividade neste contexto.
A interatividade é compreendida como o processo que permite que agentes manipulem tanto os discursos que pretendem comunicar quanto as condições nas quais estes são produzidos, apreendidos e transmitidos. Este processo exige a participação ativa dos agentes na atualização das condições virtuais de significação e, portanto, excluem situações que se caracterizam pela apreensão passiva das mensagens. O fenômeno que interessa a esta análise configura sistemas complexos e simples, que apresentam múltiplas alternativas de produção de objetos significantes e de apreensão de significados. A interatividade é um jogo de possibilidades que condiciona o sentido das mensagens. “Interativo é o sistema que se abre e nos recebe, como uma construção arquitetônica nos recebe. O entorno, umwelt, nos aborda e expande nossa compreensão tal como a linguagem...” [Bairon e Petry apud Santaella 2002:407].
Vale destacar que não estarei preocupado com o processo de interação homem e máquina em si. Este processo só interessa na medida em que interfere na comunicação entre dois sujeitos cognoscentes. No entanto, não estou determinando a natureza do agente, como veremos na análise da dimensão do agente no próximo capítulo. Apenas pretendo excluir da análise a interação homem - máquina que serve a objetivo diverso da produção de sentido. Por exemplo, existe um processo de interação entre homem e máquina quando um programador senta-se à frente de seu computador para escrever um programa que, posteriormente, fará cálculos de estrutura arquitetônica. Porém este processo não interessa à minha pesquisa.
Posteriormente, se o programador pretende que outras pessoas utilizem seu código, ele vai estar envolvido no processo de criação de uma interface que, então, caracteriza uma interação entre dois agentes cognoscentes, que se opera no meio digital, visto que a intenção de comunicar do programador se faz presente na interface. Neste momento, voltamos ao campo de análise desta dissertação. Igualmente, estaria dentro de nosso escopo a atividade de apresentar os resultados do programa para outras pessoas, a partir de um suporte digitalmente mediado. Porém, no momento em que programa, a interação entre homem e máquina não é transmissora de sentido entre dois sujeitos cognoscentes, embora esta atividade possa ser produtora de significado a posteriori.
Cabe também notar que a significação que é produzida pelo processo de interação ocorre em diferentes níveis de complexidade. Ou seja, podemos dizer que uma troca de emails entre dois especialistas sobre uma questão complexa de suas pesquisas opera processos de significação que não podem ser comparados à leitura da previsão do tempo em um site na web. Porém, isto não interessa a minha análise, já que o que pretendo discutir é a natureza dos mecanismos de interação no meio digital e não a complexidade das processos mentais de apreensão do sentido de uma mensagem. O que não quer dizer que a interatividade não condicione a apropriação do sentido. Ou seja, a complexidade da mensagem pode condicionar o processo de significação, sem determinar sistemas de interatividade. Voltando ao exemplo, um email pode tanto servir a um debate acadêmico intrincado, quanto a uma simples consulta sobre o tempo, assim como um site na web pode informar sobre o tempo ou sobre a alta ciência. Retornaremos a este ponto no segundo capítulo.
Alguns autores trabalham a interatividade, distinguindo dois outros conceitos: interação [Lemos / Vittadini apud Mielniczuk 2000:174] e reatividade [Vittadini / Williams apud Mielniczuk 2000:175]. Segundo a primeira distinção, a interação deveria caracterizar o “contato interpessoal”, enquanto a interatividade caracterizaria a comunicação mediada. Acho duvidosa a utilidade desta distinção. A linguagem também pode ser entendida como mediação. Neste caso, os conceitos distiguiriam a comunicação mediada unicamente pela linguagem e a comunicação mediada não somente pela linguagem. Agora, se entendo que a arte produz objetos de linguagem, devo excluí-la do campo da interatividade. Porém, como entendo a interatividade como sistema configurável que permite aos agentes da comunicação transformar texto e contexto, tenho dificuldade em aceitar que as instalações pós-modernas não seriam ser entendidas como objetos interativos. A outra saída seria trabalhar a distinção a partir da caracteriação de “contato interpessoal”. Neste caso, como lidar com a telepresença? O telefone e a video conferência constituiriam interação ou interatividade? Se interatividade, teriamos que questionar porque um diálogo em contato direto difere daquele realizado via teleconfência. Se interação, caberia perguntar se a comunicação através de um aplicativo de mensagem instântanea, mesmo mediada pelo computador, teria deixado de caracterizar interatividade para ser classificada como interação.
Seguindo para a segunda distinção, entre reatividade e interatividade, temos, de uma lado, a capacidade de suscitar a “reação da audiência” e, de outro, a interatividade que “implicaria uma resposta genuína” da audiência [Williams apud Mielniczuk 2000:175]. Meu primeiro problema é como caracterizar o que é uma “resposta genuína”. Os três fatores citados para resolver esse impasse são a presença de: “ação comum entre dois uma mais agentes”; “capacidade igualitária de ação ... ação de um deve servir como premissa para a ação do outro”; e “imprevisibilidade das ações” [Mielniczuk 2000:175]. Deverá ficar claro, no decorrer do texto, que vários dos mecanismos de interatividade que identifico e analiso não cumprem um ou mais dos requisitos acima. A construção desta distinção tem o viés de análise das mídias de massa. Neste contexto, a desigualdade entre os agentes da comunicação é preponderante e a idéia da reatividade, talvez, faça sentido. No meio digital, esta desigualdade é dinâmica e não, necessariamente, determinada pelo poder econômico.
O conceito de interatividade utilizado nesta dissertação abarca o que na análise acima é chamado de interação, interatividade e reatividade. As diferentes resultantes da interatividade produzidas pela variação dos contextos de comunicação são entendidas como questão de intensidade, como veremos ao final deste item, quando será apresentada a formulação da idéia de graus de interatividade, utilizada por Pierre Lévy [1999]. Utilizarei os termos interatividade e interação como referentes do mesmo conceito.
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