Papo cabeça e papo furado
No campo dos mecanismos de interatividade síncrona, temos o IRC (Internet relay chat) e salas de chat da WWW. O IRC foi desenvolvido no final da década de 80, na Finlândia. O diálogo síncrono composto unicamente pelo texto escrito e desmaterializado na virtualidade do ciberespaço constituía uma novidade. [Reid 1991] Os agentes virtualizados podiam se comunicar de maneira eficiente por detrás do anonimato de seus apelidos. [Turkle 1994] Diversos assuntos passaram a ser discutidos em ambientes, chamados canais, que se estabelecem, dinamicamente, pelas fronteiras dos assuntos e comportamentos que são ali valorizados ou coibidos. As restrições expressivas do texto e as possibilidades liberalizantes da virtualização dos corpos [Lévy 1996] remetem à necesidade de compor um código de conduta apropriado à manutenção do espaço social constituído nos canais hospedados em servidores de IRC pelo mundo afora. Foi neste contexto que nasceram os emoticons [Reid 1991], assim como se reforçou a convenção de escrever textos em letras maiúsculas para identificar a elevação da voz. “IRC is essentially a playground. Within its domain people are free to experiment with different forms of communication and self-representation.” [Reid 1991:Preface] No entanto, não é possível brincar neste playground sem o controle de uma série de comandos. Se o usuário pretende participar de uma conversa em algum canal de IRC, além de obter o aplicativo cliente (ver www.mirc.com), é aconselhável aprender os conceitos básicos e a sintaxe que deve ser utilizada em suas linhas de comando. Apesar dessa dificuldade, os diversos servidores de IRC espalhados pelo mundo continuam bastante ativos e seus canais abrigam conversações pulsantes.
Em contraponto às dificuldades interpostas pela interface pouco amigável do IRC, surgiram as salas de chat da Web. Os complicados comandos deram lugar a uma interface gráfica que permite ao usuário participar do diálogo, utilizando o know how que já lhes é familiar em função da navegação na WWW. As salas de chat povoam diversos portais voltados à população em geral e a grupos de interesse específico. As possibilidades interativas destes ambientes espelham-se nos canais de IRC que a interface facilita. Os emoticons são transformados em ícones que podem ser inseridos no meio dos textos dos diálogos e expressões representando ações, como “piscar” ou “gritar”, acompanham a identificação do interlocutor junto a suas falas. Também é possível estabelecer conversas reservadas, criando um espaço privado dentro do espaço público, como se chamássemos nosso interlocutor para o canto da sala, ou é possível ignorar as mensagens de um usuário específico.
Embora seja possível encontrar salas de chat e canais de IRC sobre os mais variados assuntos, os temas mais populares são a “paquera” e o sexo. Basta uma breve visita ao chat do UOL (www.uol.com.br/bp) para perceber este fato, o que não se deve estranhar, dado o grande apelo que exercem. Uma sala aberta para discutir futebol, certamente, atrairá mais publico que uma utilizada para debater as últimas descobertas da ciência. A possibilidade de intercâmbio de imagens no chat, via WWW, inexistente nos canais de IRC, aliada ao maior contigente de usuários, provoca a concentração dos espaços mais explícitos nas salas providas por portais. Muitos usuários de IRC referem-se, pejorativamente, às salas de chat em função de sua população. Obviamente, a necessidade de domínio dos comandos acaba, de certa maneira, por qualificar os usuários de IRC.
Apesar da maior visibilidade das salas dedicadas a temas populares de qualidade intelectual contextável, tanto a Web quanto os servidores de IRC abrigam diversos ambientes dedicados a diálogos sobre temas específicos. Diversos sites hospedam salas de chat para que visitantes possam debater o tema a que se dedicam, muitas vezes, operando a interatividade em espaços privados, protegidos por senhas. No IRC, o acesso privado pode ser construído no nível do servidor que pode requisitar a autenticação do usuário, o que não é praxe, ou pelo estabelecimento de canais privados. Criar um canal é uma operação corriqueira (alguns portais também facilitam a criação de salas a seus usuários). Basta utilizar o mesmo comando (/join <canal>) utilizado para entrar em um canal, com o nome do novo canal. Neste sentido, estes espaços de interatividade não têm permanência. Basta que o último usuário deixe o canal (/leave <canal>) para que ele deixe de existir (para uma compilação / explicação dos comandos de IRC ver [Reid 1994:Appendix] ou www.mirc.com/ircintro.html e www.mirc.com/cmds.html).
A fluidez da estruturação do espaço no IRC é uma de suas qualidades determinantes. Qualquer usuário pode criar o seu canal e, tornando-se o channel op que passa a controlá-lo, convidar (/invite <apelido>) ou expulsar (/kill <apelido>) participantes. Os espaços podem se comportar de quatro maneiras, em relação ao acesso: (1) canais públicos (padrão: todos os canais são públicos a princípio), permitem a entrada de qualquer usuário; (2) exclusivos (/mode i), são visíveis (são listados pelo comando /list) com acesso restrito, sendo permitido o acesso somente mediante convite do channel op; (3) privados (/mode p), não visíveis e com acesso restrito; (4) secretos (/mode s), invisíveis, sem acesso e com seus participantes excluídos das listagens de usuários (/who). Como nas salas de chat, é possível criar dobras no espaço, estabelecendo conversas particulares (/query <apelido> ou /msgs <apelido>), ou ignorando particiantes específicos (/ignore <apelido>). Os temas do diálogo nos canais também são atribuídos dinamicamente (/topic <tema>) por qualquer usuário, ou somente pelo channel op, se assim for por ele determinado (/mode t).
Em relação à dimensão do tempo, além do ritmo síncrono da interação, os diálogos no IRC e nas salas da WWW favorecem a simultaneidade. Os agentes se engajam em diálogos múltiplos, ora respondendo a um determinado participante, ora a outro. Na tela do computador, os diálogos são cruzados na polifonia das múltiplas interações que ocorrem em paralelo. O usuário novato, muitas vezes, se perde em meio a este caos aparente, porém a permanência das falas permite que, uma vez dominado o ambiente, haja a manutenção de várias interlocuções concomitantes.
Muitas vezes, mesmo ocorrendo de maneira pública, ou seja, visível para todos os presentes, os diálogos envolvem apenas dois interlocutores, caracterizando uma interação um-um. Por outras, as falas são dirigidas aos presentes de maneira geral, caracterizando uma interação um-muitos. Em salas de “paquera”, é comum novos participantes digitarem “alguém quer tc comigo?” (tc, abreviação de teclar, quer dizer conversar). Perguntas genéricas também são muitas vezes endereçadas aos presentes. Outra manifestação de interação um-muitos é a dos chats com convidados, bastante populares nos grandes portais. Personalidades são convidadas a participar de uma conversa coletiva com seus fãs que lhes dirigem perguntas e comentários. Quando as interações dirigidas ao público presente se encadeiam em um debate articulado, contitui-se a interação muitos-muitos [Rheingold 1994] que é a base da inteligência coletiva [Lévy 1999].
Por último, vale comentar alguns outros espaços da interatividade síncrona através do diálogo. Há várias iniciativas que pretendem construir ambientes gráficos em duas ou três dimensões, espelhando o mundo físico, através de metáforas arquitetônicas. Johnson comenta em detalhe sua experiência no The Palace (www.thepalace.com), permitindo concluir que o detalhamento gráfico dos ambientes não enriquece o diálogo. [2001] A possibilidade de transitar com avatares pelo espaço descrito, visualmente, dá margem ao encontro casual, porém este não parece criar grandes, novas e ricas possibildades de engajamento interativo. [ibidem] Mesmo assim a criação de ambientes gráficos para interação continua a atrair esforços. No início deste ano (2003), dois novos e visíveis empreendimentos foram lançados There (www.there.com) e Second Life (www.secondlife.com). Neles se pretende associar as possibilidades interativas do chat, à capacidade de descrição dos ambientes em 3d e aos mecanismos de construção espacial dos MUD, que discutiremos mais adiante. Além dos ambientes gráficos, temos as ferramentas de trabalho colaborativo. Existe uma grande quantidade de aplicativos que são utilizados por empresas e instituições de pesquisa para facilitar o trabalho a distância. Não há grande utilidade em comentar esta variedade, visto que os mecanismos de interatividade utilizados são os mesmos descritos neste capítulo: chats, conferências eletrônicas, email. Porém, importa ressaltar a ênfase dada por essas tecnologias ao compartilhamento e manipulação conjunta de arquivos dos mais variados tipos: arquivos de texto, planilhas, apresentações; e a utilização de imagens transmitidas digitalmente em video conferências (para exemplo ver www.microsoft.com/windows/netmeeting).
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