O percurso teórico

A questão da pesquisa exposta será enquadrada por uma lente multi-disciplinar. A ação coletiva é objeto de estudo em diversas áreas do conhecimento, particularmente na sociologia. O tema da cooperação por sua vez é discutido no campo economia, assim como entre os sociólogos. As teorias da administração também tomam estas questões, agregando sua busca pela eficácia e eficiência organizacional. Assim como faz a psicologia social, por ângulo bem diverso, que infelizmente, ao contrário das demais perspectivas, não será tão considerado.

Mas, fundamentalmente, o percurso teórico proposto articula-se a partir dos estudos da comunicação. Vale ressaltar, o foco da investigação são práticas comunicacionais fluentes no uso de mecanismos de interatividade digital.

O ponto de partida, não obstante, encontra-se em um tratado de 1937 escrito pelo economista Ronald Coase, prêmio Nobel em 1991: “The Nature of the Firm”. De maneira pioneira, o autor documentava as práticas e os procedimentos utilizados na empresa moderna, tomando a perspectiva original da análise dos custo transacionais das operações de coordenação dos esforços coletivos. Sua tese era que a existência da firma justifica-se pela eficiência econômica obtida em suas transações de comando e controle.

Dentre os textos lidos até agora, o que mais se aproxima à questão da pesquisa é Here Comes Everybody - The Power of Organizing without Organizations, publicado em 2008. Nele, o pesquisador nova-iorquino Clay Shirky discute a questão da organização por meio da interatividade digital. Embora também tome o texto de Ronald Coase como contraponto, seu foco está nas possibilidades de mobilização de multidões, em como novos arranjos e forças sociais alcançam escala e impacto. Shirky procura demonstrar como as mídias sociais mudam os custos de organização e privilegiam as práticas da cooperação.

A investigação da cooperação leva outro premiado com o Nobel de Economia, desta vez a primeira mulher, Elinor Ostrom. Suas investigações sobre como coletivos humanos sustentam recursos naturais comuns contribuiram de maneira definitiva para uma nova narrativa da cooperação. Elinor foi na contramão da ideia da tragédia do comuns, concepção muito presente ao senso comum e bastante popular nos meios acadêmicos após o brilhante ensaio do ecologista Garret Hardin em 1968. Enquanto Hardin defendia a inevitabilidade do uso abusivo do recursos comuns em coletivos sem o controle de um comando central, via de regra o estado, Ostrom demonstrou que através de arranjos institucionais apropriados diversos coletivos utilizam práticas cooperativas para uso sustentado dos recursos comuns.

A discussão de cooperação no âmbito da sociologia também procura reconstruir uma narrativa da cooperação examinando contextos e motivações produtores de coesão. Especialmente relevante é o estudo de Peter Kollock sobre os mecanismos de cooperação e confiança propulsores da ação coletiva em ambientes virtuais. Sua pesquisa tem reflexos importantes no trabalho de Steven Weber sobre as comunidades open source. Weber atenta para o objeto da pesquisa aqui apresentada, seu relato é de extremo valor, pois, embora seu foco esteja na formação das relações sociais, permite identificar práticas comunicacionais utilizadas e sua eficiência na organização cooperativa.

O percurso teórico proposto ainda tem espaço para mais um desvio: os estudos sobre comunidades de prática empreendidos por Etienne Wenger entre outros. Grupos mantidos à margem das cadeias de comando e controle da organização cujo papel é fomentar a construção e compartilhamento do conhecimento. Resposta coerente com a lógica da “empresa moderna” para tratar deste novo “ativo” complexo, o conhecimento, mas que também reverbera a nova narrativa da cooperação. E aqui é preciso recuperar a previsão de Peter Drucker sobre um futuro no qual diversos formatos institucionais dos mais diferentes substituam a forma aparentemente monolítica da empresa moderna que no entanto não tem nem 80 anos de existência.

O tema central da interatividade é o ponto de encontro desta nova narrativa da cooperação com as teorias da comunicação. A trilha é aberta pelos estudos de Lucia Santaella que em livros como Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade e A Ecologia Pluralista da Comunicação vem investigando como as novas mídias digitais fazem surgir uma nova configuração do humano. Isto é fundamental pois a nova potência da cooperação é fruto de potências da comunicação humana. É preciso identificar como mecanismos da interatividade digital permitem novos arranjos da ação coletiva.

Inúmeras pesquisas em teoria comunicação tem analisado as mídias dígitais. Diversos pesquisadores focam a questão da interatividade. Entre elas vale destacar o brasileiro Alex Primo, autor do primeiro livro nacional inteiramente dedicado ao tema, Interação Mediada por Computador. No entanto, os trabalhos lidos até agora, ao contrário do que é aqui proposto, não tomam a cooperação como medida e a ação coletiva como universo, especialmente se considerarmos o foco na ação coletiva empreendedora, ou seja que pretende uma inserção econômica no mercado.