Email: o verdadeiro “killer application”

Logo que os primeiros computadores foram conectados à distância, ligando quatro universidades americanas, seus usuários sentiram a necessidade de trocar mensagens: criaram o email. Como comenta Howard Rheingold, o email não foi a razão que levou à criação da rede, mas uma decorrência lógica de seu potencial de comunicação [1994].

Na mesma época surgiram outras duas tecnologias: Telnet, FTP (file transfer protocol). A primeira é utilizada para criar “seções” no sistema operacional da máquina conectada, permitindo que o usuário opere comandos à distância. A segunda realiza o transporte de arquivos entre dois computadores conectados entre si. Enquanto, Telnet e FTP mantiveram-se quase que totalmente restritas ao universo dos usuários especialistas, o email ganhou o mundo. Um internauta padrão, vez por outra, encontra um comando FTP na forma de um link para o download de um arquivo. Provavelmente, fará o download de maneira transparente, sem a consciência de estar utilizando um protocolo que precede, em vários anos, os códigos HTML que constituem a maior parte da WWW. Fora do ambiente dos sistemas operacionais manipulados por especialistas, uma seção de Telnet recorre à memória apenas dos antigos usuários de BBS que digitavam, em arcaicas linhas de comando, as instruções necessárias para interagir com os bancos de dados destes serviços.

Já o email tornou-se a tecnologia mais ubíqua do ciberespaço. É a tecnologia de diálogo mais utilizada na rede: são milhões de mensagens trocadas diariamente. A quase totalidade dos provedores de acesso à Internet oferece contas de email como parte de seu serviço básico. Trata-se de uma tecnologia tão potente que, uma vez que nos tornamos usuários, acabamos por questionar como viveríamos sem ela.

A potência do email reside no ritmo da comunicação que viabiliza. A interatividade assíncrona já existia através das cartas e do correio, porém a velocidade de transmissão que o email permite transforma as condições do diálogo. A mensagem que envio chega a seu destino em questão de segundos ou minutos, o que permite tratar questões sensíveis ao tempo. No entanto, são mantidas as vantagens da comunicação assíncrona, ou seja, permite-se que a interação ocorra sem o engajamento simultâneo dos agentes, que cada interação possa ser recebida e respondida no intervalo de tempo que se fizer necessário e que os agentes possam, discretamente, decidir se desejam ou não dar continuidade à interação. Além disto, o email opera os benefícios da digitalização, sendo capaz de transportar arquivos, em hipermídia, passíveis de serem retidos e transformados.

Outro aspecto importante da interatividade operada pelo email reside nas possibilidades dos aplicativos que, aliadas a certas normas de conduta, permitem explicitar a seqüência do diálogo. Ao redigir a resposta a uma mensagem recebida, a maior parte dos softwares utilizados para o acesso a contas de email copia o texto da mensagem anterior no corpo da nova. Um email parte de um diálogo contendo uma seqüencia de interações e pode carregar em seu corpo todo o conjunto de mensagens, indicando de maneira gráfica a ordem do texto. Não existe uma padronização para disposição, o que muitas vezes pode tornar confusa a comprensão da temporalidade do diálogo. A maioria dos aplicativos de email coloca a mensagem que está sendo respondida após o texto do novo email, porém existem casos em que é feito o contrário. Também vale notar que, por vezes, muitos usuários optam por não repetir a mensagem anterior em seus emails de resposta, para não carregar demais o texto ou para diminuir o tamanho dos arquivos. Porém, é norma de conduta manter o texto sempre que encaminhamos uma mensagem a um terceiro que não estava envolvido no diálogo inicial, o que constitui um outro importante benefício da possibilidade de dar permanência à interatividade, através do email. Além de operações na dimensão do tempo, ritmo e retenção, temos a simultaneidade: é possível manter vários diálogos em paralelo, via email.

Essa tecnologia opera transformações nas condições dos agentes, ao viabilizar a interação um-muitos, pois um email pode ser endereçado a vários destinatários concomitantes, e a interação muitos-muitos. Através dos mailing lists, a tecnologia do email possibilitou a primeira forma de diálogo coletivo que caracteriza as comunidades virtuais que analisaremos no terceiro item deste capítulo. O primeiro mailing list, SF-Lovers, que data do final da década de 70, foi formado por um grupo de usuários da Arpanet aficionados por romances de ficção científica [Rheingold 1994]. Atualmente, existem milhares de listas sobre os mais diversos assuntos. As listas são mantidas por aplicativos, identificados pelo nome genérico de listservs, que gerenciam a inclusão e exclusão de participantes e se encarregam do envio das mensagens para os endereços de email cadastrados [Zhang 2002]. Existem diversos softwares de utilização gratuita para este fim, assim como provedores que oferecem este serviço (ver www.lyris.com e br.groups.yahoo.com). As listas podem ser públicas ou privadas, o que neste caso dá conta da possibilidade de cadastrar um novo email, ou seja, uma lista pública permite o registro sem qualquer censura, enquanto em uma lista privada isto ocorrerá por convite, ou mediante um pedido submetido à aprovação. Vou detalhar melhor a interatividade oferecida por essa tecnologia no item terceiro item deste capítulo, mas é válido ressaltar que nem todos os mailing lists caracterizam uma comunidade virtual.