Graus de interatividade

O que o meio digital apresenta, de maneira inovadora, é o aumento de potência da participação ativa dos agentes na construção do sentido das mensagens. Antes de demonstrar as novas dimensões que estão implicadas no fenômeno da interatividade na cultura digital, que será o tema do próximo capítulo, quero apontar para algumas conseqüências desta potencialização da interatividade. “A possibilidade de reapropriação e de recombinação material da mensagem por seu receptor é um parâmetro fundamental para avaliar o grau de interatividade...” [Lévy 1999:79]

Em primeiro lugar, é preciso perceber que o potencial de interatividade não se distribui igualmente, através das manifestações da cultura digital. Certamente, o ciberespaço sempre implica em algum nível de interatividade, como não poderia deixar de ser em qualquer meio de comunicação. No entanto, temos discursos mais e menos interativos; algumas vezes, por força das tecnologias e interfaces que lhes dão suporte, outras vezes, em função das opções particulares do autor.

Uma rápida análise comparativa entre algumas tecnologias que convivem no ciberespaço é útil para exemplificar as diferenças entre os graus de interatividade. Estes mecanismos são investigados, em maior detalhe, no terceiro capítulo. As tecnologias viabilizadoras de diálogo, como os softwares de messagem instantânea, o email e as salas de chat, apresentam um potencial de interatividade superior a sites expositivos na Web. Nestes, o autor não é imediatamente influenciado pelo feedback da leitura, e seu texto é, geralmente, predeterminado, embora possa acolher uma série de possibilidades de manipulação pelo leitor. Já o diálogo representa a forma clássica da interdeterminação direta do discurso por seus agentes que se alternam em interlocução.

Agora, quando se compara a interação via um software de mensagem instantânea ao que ocorre em um MUD, é possível perceber maior potência interativa no segundo, pois este, além de permitir a reprocidade efetiva entre os agentes da comunicação, viabiliza a reapropriação do texto pelo leitor e sua efetiva transformação. Neste último caso, a leitura não somente atualiza o texto, como também o transforma a partir de nova operação de virtualização. Por fim, tomando como exemplo uma conferência eletrônica, temos textos particulares que não podem ser alterados por seus leitores, mas que constituem um texto coletivo: o conjunto das mensagens enviadas à conferência, que é formado pela interação de escritos / leitores, envolvendo, portanto, múltiplos processos de produção de sentido. A interatividade na cultura digital constitui um universo complexo, visto que comporta várias tecnologias de comunicação e que estas se combinam, formando diversos híbridos.

Dentro deste universo, cabe destacar a interatividade como convivência. Se aceito a idéia de ciberespaço e percebo que sou capaz de investir uma persona a minhas interações, é possível perceber que o ato de interagir nos ambientes digitais mais participativos, como as comunidades virtuais e os MUD, tem a natureza de se fazer presente. Uma vez que estamos falando de ambientes nos quais muitos agentes interagem, esta presença termina por se configurar em convivência que é operada através da interação. Descrevendo sua experiência no The Well, Howard Rheingold caracteriza bem este fato:

The feeling of logging into the Well for just a minute or two, dozens of times a day, is very similar to the feeling of peeking into the café, the pub, the common room to see who’s there and whether you want to stay around for a chat.” [1994:26]

Outro ponto a destacar é a existência de uma escritura coletiva. Uma escritura em diálogo que se transforma em texto coletivo, através da virtualização operada pelo ciberespaço. É o que Lévy caracteriza como “... bases de dados ‘vivas’, alimentadas permanentemente por coletivos de pessoas interessadas pelos mesmos assuntos e confrontadas umas às outras” [1999:100]. Para ilustrar este ponto, vamos tomar o livro que nos apresenta a correspondência entre Herman Hesse e Thomas Mann. Embora a escritura ainda permaneça um exercício isolado, o produto livro é um texto com dois autores e, quando leio o texto, construo sentidos a partir da interação entre os textos de Hesse e Mann. Se tomamos um newsgroup da Usenet bem organizado temos diversos autores, e, novamente, a escritura permance um exercício individual; porém, quando visito esta conferência eletrônica e leio seu conjunto de mensagens, a significação será realizada a partir do conjunto das mensagens publicadas. Agora, neste ambiente, há duas novidades: a primeira é que o texto permanece aberto para minha atuação: posso participar da sua escritura; a segunda, é que de tempos em tempos, as pessoas mais freqüentes, neste grupo, se organizam com o objetivo de publicar um resumo daquilo que seu debate discute, gerando documentos que muitas vezes tomam o formato de um FAQ (frenquently asked questions) com o objetivo de informar novos visitantes sobre as principais convergências e divergências que a interação entre seus participantes produziu.

Por último, quero destacar que interagir atualiza o ciberespaço. Mesmo quando um internauta exerce, de maneira mais simples, o potencial de interatividade do meio, navegando despretenciosamente entre sites e links, ele deixa rastros. Os sites que visita, os links em que clica são armazenados pelos servidores que hospedam estes sites e constituem dados de tráfego que servirão, posteriormente, para informar, ao criador do site, como seus leitores têm interagido com o conteúdo que publicou. Esta atualização implícita que a navegação provoca no ciberespaço, soma-se a diversas possibilidades explícitas de interação, como publicar comentários em páginas nas quais navegamos, contribuir em fóruns eletrônicos, publicar links com sites favoritos, entre outros.